Não havia sobras, nem um risco a mais. Uma vírgula, um ponto. Não existia espaço algum para a sombra do mal-entendido, para as falhas de outrora das comunicações humanas. Passado. Cada palavra proferida saía dos dispositivos que filtravam os pensamentos e os vocalizava em uma tradução perfeita.
Como uma música que ecoava atrás da orelha, Douglas sentia os vibratons, mas não sabia se era aquilo mesmo o que queria falar. O que ele pensava era claro, às vezes até impuro, mas o que ele ouvia não era o mesmo que a outra pessoa entendia. O tradutor cuidava disso.
Douglas era antigo o bastante para se lembrar dos tempos em que existiam segredos, hesitações. Quando algumas palavras diziam mais de uma coisa, eram cheias de arestas. Havia beleza naquele caos, apesar de serem artifícios do Diabo, como bem traduziu o Império Regente Celestial, pelo menos ele se sentia vivo. Agora havia apenas o silêncio das palavras perfeitas. Bom, até a porta se abrir com seu superior o questionando:
— Sonhando? Não é prudente.
— Não, satisfeito com trabalho.
— Algo incomoda?
— Otimizar relatórios.
— Eficiência!
— Perfeição.
— Jireh!
Douglas fez o sinal sagrado e sorriu em resposta. Repetir palavras já ditas ainda que em sinal de agradecimento de fé era um desperdício. Em seu labirinto da mente tinha mandando seu chefe para aquele lugar, que ele nem lembrava mais qual era, mas devia ser algo ruim, já que ninguém aceitava ir pra lá.
📷 Foto de Miguel Á. Padriñán
Descrição: Dois balões de diálogo brancos num fundo rosa