— Próximo!
— Bom dia meu rei.
— Senhor, por favor. Pode seguir o corredor e virar à direita.
O processo seletivo para acessar a República da Asa Branca não era difícil se você tivesse o mínimo de noção. A entrada para os habitantes do Brasil do Sul mais utilizada vinha de Minas Gerais e tinha em Cândido Sales o seu posto de acesso para triagem.
Além dos documentos pessoais, uma pequena entrevista era realizada para verificar se a pessoa era merecedora de acessar o país recém formado pelo Consórcio Nordeste. Das mais de duzentas requisições que apareciam por dia, apenas uma dúzia delas eram aprovadas.
Devido a essa baixa taxa de aceitação, a fila era popularmente conhecida como “trenzinho da sacanagem”.
— Próxima, por favor.
— Bom dia, aqui estão meus documentos.
— Qual o motivo da visita, senhora?
— Vim para a benção do Olodum.
— Que é que dia mesmo?
— Sexta. Sexta-feira.
— …
— Né?
— Pode seguir o corredor e virar a direita senhora. Boa diversão.
Duas vezes ao dia, alto-falantes ecoavam a voz da Maga Margareth Menezes cantando Faraó. Assim que ela puxava o refrão “Eu falei Faraó ó óoooo” havia uma pequena pausa no som para esperar o retorno dos candidatos. Todos aqueles que não repetiam “Êee Faraóooo” eram convidados a se retirar e tentar um outro dia.
Quando faltava pouco menos de vinte pessoas para encerrar o expediente, chegou a vez de um casal de jovens vestidos com o manto do Santa Cruz.
— Boa tarde, viemos acompanhar um dos maiores clássico do país.
— Depois do Ba x Vi?
— Por isso eu disso um dos. Respondeu a moça se antecipando ao hesitante jovem que lhe acompanhava.
— Vocês terão que correr, viu? O jogo é hoje a noite e ainda tem muito chão pela frente.
— O carro já está com o trajeto sincronizado, pagamos todas as taxas e vai dar tempo sim moço. Vi… Visse?
— E o Santa vai jogar contra quem mesmo?
— Náutico. Respondeu o rapaz de bate-pronto.
— O grande Leão da ilha.
— Isso!
— Ok, é o suficiente, podem seguir o corredor e virar a direita.
O atendente, cansado de um longo dia de trabalho, olhou por um momento o casal caminhando sorrindo antes de chamar os próximos.
— Pode vim família.
— Boa tarde, aqui estão os documentos, incluindo a certidão de nascimento dessa jovem mocinha que tá doida pra ver o mar.
— Espírito Santo?
— Sim, mas moramos em Minas, a pequena aqui nasceu em Teófilo Otoni.
— Sim, tô vendo. Gostam de moqueca né?
— Bastante, bastante…
— Qual o principal ingrediente de uma boa moqueca?
O senhor suou um pouco, dava para ver sua pele avermelhando em caroços e manchas que lhe tomavam todo o pescoço. Ele secou as mãos na camisa, respirou fundo e respondeu:
— Dendê?
— Muito bem! Sejam bem vindos família. No final do corredor vocês vão virar para a esquerda.
Antes de seguirem o caminho indicado, pararam por um instante ao ouvirem gritos de horror vindos da outra porta. Se benzeram e, antes que a mãe da pequena Valentina girasse a maçaneta, a porta abriu e uma luz intensa preencheu todo o corredor.
Em meio a um mar de sorrisos e muitas boas vindas recebidas, um rapaz gritou do outro lado:
— Bebeu água?!
🪬
Esse conto eu publiquei originalmente no dia 14 de Julho de 2020. Essa semana tava vendo um desses vídeos curtos no instagram, e tinha uma moça encenando com algumas falas iguais até. Me lembrei do meu texto na hora, alguns amigos também, mas não é uma ideia tão fora da caixinha que nenhuma outra pessoa pudesse ter 😊.