Raiva, ódio, um choro preso. Uma alegria distante, uma saudade. Um bom dia falso, um sorriso mentiroso. Um sol que aparece tímido e tenta te enganar, mas se você olhar bem ali, entre os dois prédios coloridos, encontrará nuvens carregadas em cinza escuro.
É um filme de terror, daqueles baratos. Você fica de prontidão, mas não adianta. Um gato pode saltar de lugar nenhum a qualquer momento. Ao abrir a gaveta você encontrará apenas vermes se espalhando.
Quando estiver sozinho no corredor, alguém estará (escondido) logo atrás de você. Uma visagem, um relance por cima do seu ombro esquerdo. Um arrepio que levanta cada fio de cabelo dos seus braços e depois queima seu estômago. Por fim, te congela.
Você fecha a porta. Abre. Fecha novamente. Desce até o carro, aperta o botão errado para destravar o alarme algumas vezes. Aperta os olhos, os desenhos são todos iguais. O braço fica curto. Senta no banco e se pergunta quem mudou ele de lugar. Ninguém. Olha pra trás um par de vezes. Você está mesmo sozinho?
A previsão do tempo estimada de deslocamento estava errada (nenhuma surpresa). O que fazer a respeito destes três minutos e doze segundos que foram embora e não voltarão nunca mais?
Algo deve estar errado, você quer ter certeza disso. Quer ver os erros, as falhas ou a má sorte que lhe espreita. O sol abriu, o guarda-chuvas pode ficar no carro. Agora é só apertar o botão do meio. Ou seria o primeiro? Lá se vão mais vinte segundos.
Tudo parece estar no lugar, e é isso que te corrói, que te mata aos poucos. No final, só lhe resta uma pergunta:
Será que tranquei a porta de casa?
👀 Me descobri com hipermetropia durante a pandemia.
✍🏽 Esse texto foi escrito originalmente no dia 21 de Março de 2021.