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Será que é ódio o que nos falta?

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Cronicas

Eu tinha sempre duas ou três redações decoradas para usar quando precisasse. Era um Ás na manga para qualquer aperto em provas ou concursos públicos. A estrutura variava entre quatro ou cinco parágrafos com cinco ou seis linhas cada. Mais que o conteúdo, o texto final precisava ter forma e ocupar um espaço mais ou menos similar.

Pouco depois do alvoroço do bug do milênio, no qual apenas assistimos os estadunidenses estocando água e alimentos feito loucos, eu gostava de falar sobre conexões. A forma como a internet cortou distâncias e aproximou as pessoas. Só que essa aproximação era apenas simbólica, já que, cada vez mais, estávamos nos isolando um dos outros.

Naquela época, ainda jovem e com algumas ideias de revolta na mente, esse era um tema que constantemente utilizava em minhas redações. “O homem diminui a medida que a cidade cresce”, gostava de colocar essa frase em meus textos. Tempos antigos, em que não me preocupava em utilizar uma linguagem mais neutra e abrangente.

Os anos passaram e alguns clichês se tornaram parte de minha história. Coisas que ouvia e achava apenas baboseira se tornaram verdades universais. Sim, o tempo passa mais depressa quando ficamos mais velhos e, pasmem, muitas lembranças de décadas atrás parece que aconteceram ontem. Algumas certezas precisam de tempo de maturação.

Chegamos ao futuro que temia e utilizava como exemplo de redação. Estamos todos isolados dentro de nós mesmos. Cada um no seu canto, no seu perfil, preso nas suas verdades. Diminuímos, as cidades cresceram e os mais velhos estão todos amargurados. Talvez nos falte ódio, para nos rebelar, ou talvez saber demais seja mesmo uma maldição.


📷 Foto por Photo by Nick Rtr no Pexels

📅 Originalmente escrito em 18 de Setembro de 2020

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